quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Doces Pensamentos

Por vezes desbravo memórias ao mais ínfimo pormenor. Cheiros, cores e palavras não me saem da cabeça. E sou capaz de o repetir vezes sem conta durante uma hora. Na cama, no escritório, a guiar, seja onde for. Não me liberta e faz-me reviver os pormenores de cada lugar, de cada palavra, de cada olhar. A memória algema-me o raciocínio e viajo saboreando todas as pontas do pensamento que me assalta, como se bebesse sofregamente as últimas gotas de uma garrafa de água fresca no meio do deserto. Lambo a colher do pudim repetidamente e sorrio. Doce, doce, mas o seu fim está à vista. E termina. A realidade volta e o livre arbítrio de pensamento impõe-se novamente. Perder o pleno domínio da situação pode tornar-se perigoso mas sabe tão bem... =)
Até breve.
Salam Malek

sábado, 15 de outubro de 2011

Découvrir Algérie

Há quase duas semanas em solo Argelino começo a ambientar-me. A casa vai ganhando móveis e consequentemente algum conforto. Sabe bem nem que seja por duas horas ao final do dia. A obra é muito interessante, cheia de pormenores de construção e vertentes que me fazem crescer profissionalmente. As pessoas parecem trabalhar de uma forma coordenada e o ambiente é bom, dentro do contexto de uma obra claro. Há sempre arrufos, ditos por não ditos, fofocas... mas em geral corre tudo bem.
As minhas funções começam a definir-se de forma mais clara e gosto das responsabilidades mais abrangentes que me começam a tocar. Gestão de materiais, faseamento de frentes de trabalho, facturação, decisões de planeamento, sempre tudo com uma componente económica muito presente. O importante, o fundamental, é no final do mês fazer o balanço entre os gastos e a facturação. Se não correr bem $$$, perceber porquê. Calcular rendimentos de equipas das diferentes especialidade, enfim... a tal secret skill escondida em todos os (bons) engenheiros civis - a capacidade de gestão! Claro que existe a porca, o painel, o ferro de 20, os inertes, o betão, os prumos, as tijes... enfim toda essa parte mais técnica existe e tenho q estar por dentro mas falha-me muita coisa é normal, tudo vem com a experiência.

Andar na rua não é propriamente perigoso como se possa pensar. Como disse, é algo caótico, sempre confuso. Os homens de barbas compridas e vestes compridas e rendilhadas falam árabe alto e negoceiam na rua. São estranhos ao início e todos parecem ter caras de terroristas mas o hábito faz-nos adaptar às circunstâncias e começamos a perceber que são pessoas normais, apenas com outros costumes. Os locais apercebem-se da afluência de estrangeiros e não parecem importar-se. Por outro lado, são simpáticos. Já conhecemos o homem do café onde religiosamente tomamos o nosso cafezinho matinal às 6h20/6h30, o da papelaria em frente mete-se sempre connosco dá-nos conselhos, faz conversa. Na obra todo o staff se conhece, há algumas administrativas que tratam das papeladas o que é bom para amansar a malta e originar aquele burburinho das cuscuquices conjugais uns dos outros e faz com que haja sempre assunto.
Como disse o ambiente é bom, não só dentro da minha empresa, como com o empreiteiro geral.

Noutro dia fui a Argel de carro buscar um homem ao aeroporto... guiar numa autoestrada na Argélia altera todo o conceito de via-rápida que um europeu possa ter. Apesar de ter 2 faixas de rodagem em cada sentido e o limite legal ser 120 km/h há pormenores que mudam radicalmente a forma de guiar. A via não deixa de ser rápida, quando não transito guia-se muito rápido, não é totalmente estanque como a conhecemos em Portugal. É normal haver pessoas a atravessar a pé a estrada saltando o separador central. É normal haver carros em contra-mão na berma. É normal haver fruta à venda na berma bem como táxis e aglomerados de pessoas que esperam boleia. Há casas com a porta colada à estrada. Existem em algumas zonas controlos policiais de bombas e carros suspeitos que abrandam o transito e transformam uma estrada de 2 faixas em 5 faixas. Vale tudo. Os carros ficam a centímetros de distância e circula-se na berma ainda asfaltada e ainda na berma da berma onde normalmente é terra esburacada... Os carros formam filas intermináveis e é a lei do mais forte. A buzina é banal, diria mais, é viciante. É contínua em zonas de trânsito. Existem em algumas zonas vendedores... de resto como na Linha Vermelha, via rápida que fiz vezes imensas no Rio de Janeiro e também como na cintura de Bucareste outra que conheço bem.

Vou descansar minha gente. Com saudades.

Salam Malek (cumprimento em árabe para Olá e/ou Adeus, ouve-se constantemente)

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Bienvenue à l'Algérie!

Quinta-Feira, dia 6 de Outubro de 2011 – Cheraga, Argel, Argélia.
"Na Terça-Feira aterrei na capital deste país do Magrebe, no norte de África. Antes de pisar solo Argelino, ainda em Lisboa, apercebi-me da diversidade do tipo de pessoas que entravam a bordo do pequeno avião que fazia voo directo entre as capitais.

Mulheres de lenço na cabeça, claramente de religião muçulmana, homens de negócios (Eu e o meu chefe =) entre outros...), mulheres de raça negra a arranhar um francês duvidoso carregadas de maquilhagem e bugigangas, famílias argelinas aparantemente normais mas sempre com aquele ar desconfiado e triste, homens morenos de calça de linho branca, sapato afiambrado e jóias ostensivas, provavelmente Argelinos ricos e parolos.

Ao baixar a cabeça para sair da porta do avião, olho em frente, ainda em cima da plataforma das escadas, e sinto aquela brisa africana que espero que seja um bom presságio desta temporada. Inspiro fundo e desço.

O aeroporto é o local mais ocidental que existe neste país. É novo e moderno, há multibanco e as pessoas falam inglês.
Saindo, começo a aperceber-me da confusão que embora possa parecer caótica a todos os níveis, só o é ao nível da organização e meios disponíveis. Na atitude das pessoas, na dinâmica da cidade parece-me até calma. É preciso realçar que estou apenas há dois dias por cá e que 90% do tempo não foi a passear e portanto todas estas impressões não passam de um primeiro olhar atento.

Começando por histórias muito rápidas e que nunca vi acontecer em mais lado nenhum, logo no parque do aeroporto vi alguns carros bloqueados no estacionamento. Carros novos, recentes. Não estavam abandonados. A questão é que estavam bloqueados com blocos de cimento da largura do carro e à altura da matrícula à frente e atrás! Não percebo. Não tirei fotografias.

Dirigimo-nos, Eu, o Chefe e Director de Produção da Argélia para Cheraga, zona relativamente perto de Argel onde existe uma grande obra da empresa e na qual me encontro neste momento. Nesse dia à noite, quando íamos para casa, vemos um carro fazer uma rotunda em sentido contrário, normal. Também nessa noite (e na seguinte) acordo por volta das 4h com as rezas barulhentas da Mesquita que se encontra perto de nossa casa. Muito barulhentas. E eu até não tenho o sono muito leve... “Depois habituas-te e deixas de acordar...”
Hoje ao almoço o Director de Produção tinha voltado do aeroporto para ir levar o chefe e mostra-nos na sua máquina fotográfica um homem a andar de patins na autoestrada! Estava algum transito e o homem no meio dos carros a fazer slalom... enfim.

O ambiente é tipicamente árabe, gente de pele gasta, barba rija e olhos desconfiados de vestes muçulmanas. Há uma mistura de favela brasileira, casas inacabadas e feitas de uma forma desorganizada, de poucos acabamentos, com aquele ambiente de guerra que vemos na televisão na faixa de gaza. No entanto não se sente perigo.
Ontem de manhã fui trocar dinheiro a um quiosque ao mercado negro onde as taxas de câmbio são melhores. Cenário de transação de droga... com comunicação discreta em francês (o que aumenta ainda mais a sensação da ilegalidade do ato) e passagem de notas pelo lado do balcão onde algumas pessoas compravam tabaco e consumíveis mundanos.
Amanhã viajo para Tizi-Ouzou, na zona de Cabil (não estou certo que se escreva assim) onde é a minha obra. Sexta-Feira é o dia de folga na Argélia. Vou aproveitar para perceber um bocado melhor o que me rodeia e poder ser mais pormenorizado na análise. Não esperem um relatório muito completo, o intuito da minha estadia aqui é claro e até agora não se desviou nem um centímetro do seu propósito – trabalhar. A obra onde estive estes três dias está com o prazo apertado e portanto as horas de trabalho são imensas. Não vou precisar para não vos cansar mas tenho dormido pouco e com as interrupções citadas, mas é o esquema normal, já estava à espera. Não vos quero maçar com pormenores da obra, aí sim poderia escrever já bastante. Última informação: consta que na casa onde vou ficar hospedado há internet o que é uma excelente notícia, uma vez que neste momento por cá, nem em casa dos engenheiros nem aqui na obra existe essa grande invenção do século XX. De outra forma nem sequer estariam a ler isto =)
Sinto que vai ser uma grande experiência. Nestes dias já consegui ter uma amostra das várias sensações que vou ter ao longo dos próximos tempos: stress, simpatia, maldade, satisfação, pressão, saudades.
Até breve, au revoir!"

Hoje, dia 7 de Outubro já me encontro em Tizi Ouzou. Já estou em casa, tenho quarto para mim o que é bom, vivemos num 6º andar sem elevador o que é óptimo para manter a forma, afinal há alcool, o que é bom para desanuviar, mas é mau para a boa forma física... =) Hoje é sexta, dia de descanso semanal, o Domingo cá do sítio.
Vivo em frente a uma escola secundária cheia de bandeiras. São muito nacionalistas por cá... as ruas são desorganizadas, o transito também, toda a gente apita, há muito lixo no chão, os passeios têm todos buracos e estão incompletos tal como as fachadas dos edifícios. Tijoleira, cimento, buraco, poça, betão inacabado, pilar de uma cor, pilar de outra, passadeiras que desaparecem do asfalto a meio da estrada, cafés de portas de ferro, quiosques manhosos, gente a vender na rua... antenas parabólicas, muitas antenas, é engraçado andar por aqui. Tudo é diferente e confuso. Mas, não é hostil. Requer uma visão positiva claro, mas é algo que tenho a certeza que me vou habituar.
Apontamento de trabalho: Afinal os medidores do empreiteiro (quem nos contratou) são argelinos, o meu francês vai ter que sofrer um fast improvement... tem que ser. O arquitecto é Tuga mas depois o Director de Obra geral parece que também é de cá... enfim, a ver vamos.

Até breve! Au revoir!