sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Relações

Absolutamente fascinante a forma como desconhecemos a realidade Portuguesa imigrante.
Tenho lidado com alguns encarregados de obra Portugueses e é de facto impressionante como somos ignorantes em relação a esta gente. Vulgos trolhas ou serventes, vejo-os agora de forma diferente da minha ideia pré e precocente concebida. Muito além disso.
Trabalham há mais de 10 anos fora do seu país, na Irlanda, em Inglaterra, Alemanha, enfim… várias experiências e vivências diferentes. São pessoas muito trabalhadoras e com grande valor. Uns falam alto, outros comem de boca aberta, outros tocam nas pessoas quando falam, outros gesticulam muito, todos usam e abusam do calão de uma forma indeterminadamente constante. Todos trabalham, cada um à sua maneira. Mas todos produzem. Riem-se e vão vivendo as suas vidas focados em enviar dinheiro para Portugal, para a sua família. São profundamente determinados em ajudar os seus, respeitam-nos à sua maneira, nem sempre pelos mesmos parâmetros que regem a minha conduta. Guiam-se pelos seus, que à primeira vista reprimo, mas pensando melhor nas suas vidas chego a considerar legítimos. Falam inglês, alemão, até mesmo romeno. Sabem muito da vida em obra. Conversam sobre o que já fizeram, como fizeram, quando fizeram. Nota-se que isto é a vida deles, comentam camiões como quem comenta carros de alta cilindrada. Chegam a ver vídeos no youtube de camiões… “Esta máquina chega a carregar 30 toneladas…” Tratam o martelo por tu e são os responsáveis pelas coisas acontecerem, sejam elas, prédios, pontes ou autoestradas.
Dou por mim a jantar à mesa com 3 homens calejados de vida em obra a falar de viadutos, vigas, painéis de 2 por 3,5, mesas de cofragem, ferro de 16, paletes de barrotes, tijes, borboletas, manitous, muros de contenção, betonagens e afins.
Gente grossa e rude, não se iludam. Mas com muito conhecimento prático. Com o famoso “know-how” e faço questão que seja entre aspas. Homens sem os quais as coisas não aconteciam, repito.
E o mais interessante de tudo isto, é a minha mistura entre esta gente, a adaptação aos termos, ao calão, às demonstrações de amizade, mas ao mesmo ter consciência do meu saber escondido, as minhas outras formas de estar que guardo só para mim. Revelo-as quando falo com as altas patentes da obra. Fiscais de uma empresa inglesa ao serviço do dono de obra, neste caso o estado Romeno. Homens de mais de 60 anos, um sul-africano e outro sueco, com o seu rigor britânico e a sua conversa técnico-teórica, que também me desperta interesse, e onde talvez me sinta até mais à vontade. Estar a falar com velhas lendas da engenharia, em inglês, sobre soluções de betonagem com temperaturas abaixo de 5ºC (temp. mínima para a cura do betão) confesso que me dá gozo. Ao mesmo tempo vejo um dos tais encarregados a dar cartas e a mostrar toda a sua capacidade técnica adquirida ao longos de vários anos de trabalho “in the field”.

É esta a magia que tenho sentido em obra e me faz admirar estes homens. Sempre com humildade mas sem perder o respeito, aprender é assim… through the hard way. O constante balancear entre conversas com gente mais instruída, e simples serventes de obra dá calo e fumenta a principal característica de um trabalhador seja em que área for: a capacidade de uma pessoa se relacionar socialmente com os vários intervenientes com os quais sobre obrigados a lidar no contexto da nossa actividade profissional.
Numa obra de construção civil não é diferente, é fundamental.

Até breve, multumesc!

Um comentário:

  1. Sim senhor, podias era dizer-me o que significa "multumesc"!

    Gostei da tua descrição mas corres sérios riscos de aparecer preso à cama de manha cedo! Isto depois de esses supostos "vulgos trabalhadores", conforme te referes, terem passado a noite a ler o teu blog...

    (Just kidding) :)

    Ab
    Pedro

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