quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Romania

Cá estou eu em plena Europa do leste, mergulhado nas profundezas de uma Roménia outrora Comunista, hoje em dia uma “nova-rica” aberta ao mundo com tudo o que de bom e mau isso acarreta. Desde o desenvolvimento precipitado (mas necessário) que sente no investimento social e económico resultante da sua entrada na UE, às tendências americanas que invadiram a Europa e aqui parecem ser seguidas à regra. Por vezes sinto que este país não tem rumo, por vezes percebo como acaba por ser organizado na sua tremenda desorganização. Um pouco à imagem do meu quarto no Porto, percebes mãe?
Tenho vivido a meias entre Bucareste e Constança. A minha visão de Constança é talvez algo injusta em relação a Bucareste mas aqui vai: Bucareste, cidade muito bonita, adoro! Passo a explicar… Não é Paris, nem Londres, nem o Porto. Não é essa beldade que vejo nas ruas. É a junção dos elementos que a faz única e completamente diferente de todas as cidades por onde já passei até hoje. São os prédios antigos por fora, são as largas avenidas, são os edifícios históricos que surgem atrás de esquinas apertadas, é a neve que cobre a cidade, são as árvores despidas, são os muros incompletos a fazer lembrar os filmes da segunda guerra mundial e os cenários que imagino. Fuzilamentos a sangue frio contra paredes de tijolo e janelas partidas. Sarcástico mas de alguma maneira convidativo a viver este ambiente. São os velhos com aqueles gorros soviéticos a embaciar as janelas suadas do metro e as mulheres sofisticadas que passeiam a sua beldade pelas ruas de luvas chiques e cigarros finos. As linhas de metro que cruzam a estrada, os kebabs nas esquinas, os relógios russos (ou talvez romenos, na minha cabeça são russos, tipo os de Praga com contornos dourados)… tudo acaba por funcionar. O centro, Uniri a lembrar Picadilly Circus com grandes edifícios e placares de publicidade gigantes. Os cães vadios e os parques onde as pessoas se passeiam ao Domingo, apontamentos constantes. As opções nocturnas são imensas e para todos os gostos. É uma cidade moderna, atractiva na sua mistura entre o recente e o antigo. Há algo de sedutor no facto de as pessoas andarem todas encasacadas na rua e cheias de cachecóis, todas tapadas. Quando entram no espaço fechado, qualquer que seja, o ambiente é quente e convida ao chocolate quente mas também ao convívio com outras pessoas e há magia nisso. Despem-se os casacos… os gorros… mas também a frieza aparente e a pouco e pouco ficam visíveis, não só os contornos escondidos por dentro dos sobretudos, mas também traços de personalidade e intimidade invisíveis à primeira vista. As pessoas aparentemente fechadas e frias revelam-se e começo a ganhar algum apreço por esta gente. No entanto, por mais instruídas que sejam, relevam-se básicas noutros sentidos. Nas suas necessidades, nos seus momentos de relaxe, à mesa, a guiar, mostram-se muito marcadas por um país frio e muito injusto durante vários anos. É a minha tímida imagem até agora. Mas voltando a Bucareste, é uma cidade fantástica mas Constança também pode vir a ser. É difícil comparar porque até agora a cidade costeira foi o meu poço de trabalho e Buca de divertimento. A minha vida por aqui é acordar e ir para a obra, faço de tudo. Ando por lá com o meu caro amigo Florentin, engenheiro Romeno, aparentemente uma pessoa rude e tímida, mas tenho vindo a descobrir uma pessoa bastante culta e muito mais próxima de mim do que poderia pensar. Acabo por dar por mim e estou a almoçar com ele numa pizaria qualquer a falar de cidades europeias e de modos de vida e da vida de estudante e descubro que não somos assim tão distantes. Gosto dele. Aos poucos e poucos conquisto a sua confiança, ganho pontos, sorrisos, confissões e até desabafos da parte dele. Tem 27 anos e é um engenheiro Romeno. Já trabalhou em Portugal na Martifer e cá na Roménia para a Martifer também. Mas dizia eu o meu dia-a-dia é muito variado e eu gosto disso. Resolver problemas na obra: por máquinas a arranjar, fazer medições ao material que já entrou na obra, controlo de custos, mapa de tarefas, o que está ou não atrasado, o que é preciso deslocar de uma ponte para a outra, algumas chamadas para Bucareste para tirar dúvidas do projecto, fazer preparações em autocad de soluções de cofragem para a próxima semana, ir ao supermercado comprar coisas de última hora, andar de carro, ouvir música, falar com os trabalhadores, enfim. Não sinto que o curso me sirva de muito, claro que quem não está dentro do tema não conseguia perceber quando falam entre si. Por outro lado, a formação como pessoa, como ser pensante e relacional está constantemente a ser posta à prova. A casa que a empresa oferece não é nada de especial, nem sequer muito bem localizada, não tenho hipótese de sair e ir ao café nem há ginásios perto. As condições são discutíveis mas digamos que já estive melhor instalado. Vivo com o Florentin e com 2 encarregados portugueses boa gente e muito trabalhadora. Acolheram-me bem, à sua maneira, faço por me integrar e o meu calão melhora a cada dia que passa, está na sua plenitude.
Constança tem assim o meu benefício da dúvida… Penso que no Verão esta cidade ganha vida e muita gente vem para aqui de férias e a praia enche-se de festas na areia e fica calor o que é óptimo.
Não tive ainda sequer oportunidade de ver o mar, como é possível? Mas vou mudar isso… talvez em Abril pense em alugar um quarto mais próximo do centro e vou comprar uma bicicleta ou uma mota para me deslocar aqui. É tudo mais ou menos perto mas a pé é impossível e não há transportes, tudo muito arcaico, fracas infraestruturas (excepto junto à praia, mega resorts e hotéis). Não posso deixar de falar nos portugueses que estão em Bucareste, boa gente onde tenho ficado hospedado aos finais de semana. Companheiros de rocks e boa vida.

Já trouxe uma carrinha Renault Master de caixa aberta (à trolha mesmo) de Bucareste para cá, sozinho, a nevar, a sair às 5h30 de lá com direito a perder-me nos arredores de Bucareste a tentar encontrar a autoestrada para cá… absolutamente surreal, senti-me num daqueles filmes antigos a preto e branco a andar por estradas nacionais escuras.

Mas sinto-me bem. Confesso que a minha capacidade de adaptação me surpreende. Nem todos os dias são bons mas o balanço é extremamente positivo.

Já não é aquela sensação de tempo livre e de poder conhecer tudo e todos à minha volta mas enfim, trabalhar é assim. Os fins de semanas, esses sim, são aproveitados até ao último minuto e o dia-a-dia é vivido com mais serenidade e vontade de aprender.

Até breve e multumesc!

p.s.a.u.d.a.d.e.s dos amigos, dos mais clássicos senhas, dos confiáveis feup foz, dos amigos contacto, dos íntimos casarosa, dos valiosos lisboetas, dos mxs boa onda, do sniki (já não vejo há muito), das amigas (!), dos mais recentes do Rio, do desporto, do pólo e todo o staff, das bolinhas, dos sobrinhos, dos paizinhos, do conforto da minha casa, dos irmãos e respectivos(a), do Porto! É bom sentir que pertencemos a algum lado e que as pessoas têm significado. Bem vinda Luisinha!!!

p.s.a.u.d.a.d.e.s.2 das corridas no calçadão e de ouvir o sotaque carioca, música para os meus ouvidos eheh.

Jaime

Um comentário:

  1. Estou absolutamente rendido à tua capacidade interpretativa e descritiva da tua vivência... :)

    ResponderExcluir